História
Um brevíssimo olhar sobre o passado de Penafiel, por Teresa Soeiro
Penafiel, com as suas vinte e oito freguesias distribuídas por 212,82 km2, é uma terra antiga no coração do velho Entre-Douro-e-Minho. Ocupando o interflúvio Sousa/Tâmega/Douro, tem solos essencialmente graníticos, ricos de águas e propícios para a exploração agrícola intensiva, nas últimas décadas valorizados também em função de uma importante indústria de extracção de pedra. A sudoeste, as freguesias integram-se no complexo xisto-grauváquico, tornam-se mais extensas, com importantes parcelas de monte, outrora baldio pastoril, hoje florestado.
Zona intermédia de contacto do litoral com a montanha, em todos os tempos por aqui passavam importantes vias de comunicação inter-regional, terrestres e fluviais. Exemplo das primeiras seria a estrada real que desde a Idade Média ligava o Porto a Trás-os-Montes, geradora do actual centro urbano que, a um dia de viagem, desempenhava papel fulcral no apoio ao trânsito de passageiros e mercadorias. O Douro surgia como indispensável via fluvial de penetração para o interior, com papel mais relevante à medida que nas encostas do Alto Douro se expandia a produção do vinho generoso, que descia nos rabelos até ao Porto. Entre-os-Rios, também a um dia de viagem, cumpria aqui papel idêntico ao da cidade, no apoio aos viajantes e como centro de redistribuição de mercadorias.
Bastante povoado desde a pré-história, como testemunham dezenas de monumentos megalíticos e alguns povoados, no território penafidelense não faltam também sítios castrejos. Monte Mozinho (Oldrões/Galegos), povoado fortificado erguido no dealbar da nossa era será, pela sua extensão e relevância material, um primeiro centro, que, após trinta anos de escavações arqueológicas merece bem uma visita atenta.
Com a consolidação da integração no mundo romano, veremos a população organizar-se em novas formas de habitar, tipificadas em lugares abertos e concentrados, rodeados por terras de lavoura, ou em casais dispersos na paisagem agrícola como ilustram as casas postas a descoberto na Bouça do Ouro (Boelhe). As termas romanas de S. Vicente do Pinheiro, surgidas no início do século XX aquando da construção do atual estabelecimento termal, já destinadas a fins medicinais, podem dar-nos uma imagem dessa permanência milenar da capacidade para identificar e aproveitar os recursos naturais. Também os filões de ouro existentes nos xistos e quartzitos foram explorados na época romana. Um intenso comércio e a circulação de uma moeda comum trouxe a todos estes núcleos grande quantidade e diversidade de produtos artesanais, que materializam a integração cultural, reafirmada por valores fundamentais como a adoção da língua e das formas de ser e de estar da romanidade.
No século IX a vivência do território é outra, pontificando como nova centralidade a Civitas Anegia, instalada num cabeço sobranceiro à confluência do Tâmega com o Douro, que dominaria extensas terras nas duas margens daqueles rios. A esta Civitas pertencia a futura terra ou tenência de Penafiel de Canas que, no século XI, desmembrada a anterior organização, assumirá por sua vez a capitalidade de um espaço mais reduzido, embrião do atual município.
Neste mundo românico, retratado pelas Inquirições de 1258, deparámos com muitas das atuais paróquias, imersas numa economia agro-pecuária e piscatória que foi longamente dominante. Dos grandes senhorios eclesiásticos destacamos, porque aqui sedeados, os mosteiros beneditinos de Paço de Sousa e de Bustelo, o primeiro ostentando ainda uma magnifica arquitetura românica e dando guarida ao cenotáfio historiado de Egas Moniz de Ribadouro, aio de Afonso Henriques, o segundo profundamente transformado ao gosto barroco, de uma riqueza e monumentalidade ímpar. As casas fidalgas de raiz medieva podem bem ser representadas pela Honra de Barbosa (Rans), com a sua torre sobranceira às terras de cultura, ou pela mais transformada Torre de Coreixas (Irivo).
Os templos românicos de Boelhe, esse divino brinquedo como lhe chamou Miguel Torga, ou o de S. Salvador da Gândara onde se venerava uma cabeça santa muito milagrosa, procurada pelos peregrinos, o de Abragão ou o mais tardio de S. Miguel da Eja, no qual se anuncia já o gótico, o memorial funerário de Ermida (Irivo) são monumentos nacionais.
Por este tempo emergia no território penafidelense uma nova realidade. Na freguesia de Moazares, de cuja igreja românica (Santa Luzia) temos ainda a cabeceira, rodeada por sepulturas escavadas na rocha, surgiu um segundo núcleo forte, instalado à margem da estrada que vinha do Porto e, passado o rio Sousa na medieva ponte de Cepeda, ascendia pela Costeira até atingir o alto. Aqui estaria o local ideal para crescer um aglomerado urbano especializado em serviços aos viandantes, na artesania e venda de manufaturas, no estabelecimento de uma grande feira. Arrifana de Sousa foi o nome escolhido.
Este era um lugar arruado, disposto em banda ao longo da estrada, onde João Correia, um rico mercador da praça do Porto com trato na Flandres, cristão novo ao que se diz, faria erguer a manuelina capela do Espírito Santo, na cabeceira da qual alojou o próprio túmulo, coberto por uma bela placa de bronze lavrado com o seu vulto, trabalho flamengo que fez vir ainda em vida, nos anos iniciais do século XVI faltando por isso completar na gravação da data fúnebre.
Em crescimento, Arrifana assumiu a paróquia, com o orago S. Martinho, e construirá nas décadas de 50 e 60 do século XVI um novo templo, sobre a capela de João Correia, no modelo de igreja-salão com fachada retábulo maneirista. Apesar desta pujança, a terra continuava na dependência administrativa do Porto desde que D. João I a dera àquela cidade como agradecimento pela ajuda à sua causa.
Durante toda a Idade Moderna Arrifana de Sousa cresceu como centro de serviços e terra de muitas indústrias, com uma importante feira anual no S. Martinho, e ampliou a mancha urbana que se estendia já para cotas mais elevadas onde, no início do século XVII, a Misericórdia, uma das mais antigas do país, fará construir a sua monumental igreja. A fidalguia, no entanto, mantinha-se fora da urbe, preferindo habitar os solares ancestrais, que a acumulação de recursos provenientes do aumento da rentabilidade das terras e dos negócios de além-mar permitirá reformar e monumentalizar.
Apenas em 1741, depois de uma persistente insistência junto do poder, a que o Porto sempre se oporá, Arrifana de Sousa ascende à categoria de vila e concelho, composto por duas freguesias, a própria e a vizinha Santiago de Sub Arrifana. Pouco viável, mas orgulhosa da sua autonomia duramente conquistada, a população e a Câmara serão, em 1770, surpreendidas pela elevação a cidade, sede de um vasto concelho. Não o haviam pedido, nem sequer foram atempadamente informados desta benesse, atribuída por D. José a 3 de Março, para que aqui se pudesse fixar a sede de um novo bispado que a política pombalina queria destacar do território da poderosa mitra portuense. Mais ainda, por esta determinação régia, Arrifana perderia o seu nome para adotar o de Penafiel, até então reservado ao concelho cujas justiças estavam ainda formalmente no castelo medieval.
Vila, cidade, sede de comarca e de bispado em menos de trinta anos, foram significativas mudanças que exponenciaram o crescimento desta terra, atingindo o ponto alto de prestígio, riqueza e desenvolvimento na segunda metade de setecentos. Depois vieram os tempos conturbados da guerra peninsular, e Penafiel esteve sucessivamente ocupada pelos exércitos francês e luso-britânico, e da guerra civil. Recomposta destes pesadelos, a cidade (cerca de 10% do total da população) e o seu município, agora com a composição territorial definitiva, entrarão, na segunda metade de oitocentos, em novo período de crescimento, assumindo as promessas do progresso fontista. É nesta fase que se fixa o urbanismo que ainda hoje reconhecemos nas ruas, avenidas e praças, com todas as peças prestigiantes como o quartel militar, o cemitério, o jardim público, a praça do mercado, o matadouro, a casa das repartições, o teatro, as escolas, etc., e mesmo o início de um proeminente santuário sobranceiro à cidade, com o seu parque.
A 09 de outubro de 1969, usando da faculdade conferida pelo n.º 3 do artigo 109.º da Constituição, é decretado pelo Governo de Portugal, o dia 11 de Novembro como Feriado Municipal.